segunda-feira, 2 de março de 2009

Fragmentos de mim





Ela até já escreveu o roteiro de um filme, nem ela sabe como, mas o escreveu em apenas dois dias, com indicação de direção e trilha. Foi rápido e fácil naquele momento e ela gostou muito... mas ela gosta mesmo de escrever sobre coisas que de repente lhe vem na cabeça, coisas que ela nunca pensou antes como por exemplo o perfume da torta de maça que a avó fazia quando ela era criança, sendo que tem pouquíssimas lembranças da infância, e nunca teve uma avó que cozinhasse nada. Coisas que realmente só existiram para ela, ou não, como formiga que um dia assaltou o seu armário.... histórias dos recortes de jornal da sua coleção, histórias de pessoas dos trens e metros.
Perfumes que a fazem seguir, e inspiram páginas e páginas. Sabores, olhares, medo, ansiedade...
Beijos.
Pequenos segundos que tornam –se eternos nas escritas cegas.
Parece que cada um desses estímulos reage no seu corpo como um turbilhão de palavras e sensações.
Após meses de silêncio, a curiosidade do enigmático toque confuso, a fez escrever horas naquele ônibus escuro, palavra sobre palavra, quase uma psicografia.
Pensou em escrever sobre como se sentiu com cinco anos ali perdida naquela praia lotada, como sentiu medo, e o corpo vivo e respirando, como se todas as suas células estivesse em total alerta. Passava o olho por toda aquela multidão quase nua, mas não via nada, só seguia a imagem fotográfica da canga amarela manchada de azul apoiada na cadeira e o guarda - sol vermelho e branco. Pensou em escrever também sobre os beijos mascarados e coloridos vistos naquelas pessoas sem nome, sem sexo.
Como um raio laser que passa no seu corpo nu e o desfragmenta, resolveu escrever sobre o dia que se apaixonou perdidamente por um tal de Ernesto desde o primeiro beijo, Ernesto era um homem forte, carreira de advogado sólida, carinhoso, dedicado,
ela o encontrava e seus olhos brilhavam como pedrinhas de brilhante, genuíno,
aqueles dois olhos castanhos escuros e profundos como dois buracos negros onde ela estava prestes a se perder, e se perdeu, se conectavam exatamente e perfeitamente com o beijo macio e demorado de cada encontro.
tudo era perfeito... embora ela fizesse o estilo dura na queda, os pés flutuavam...
Ela já o conhecia tão bem, cada detalhe.
O tempo se passou.... o olhar ficou raso, o beijo breve, e frio, frio, gelado mesmo, a língua fria, a textura seca, mas os pés ainda flutuavam, flutuavam no andar embriagada como em um colchão grosso e macio. Ela pensou: Quem será ele?
O tempo passou, o olhar modificou novamente, as mão voltaram a ficar acessíveis e disponíveis, mais carinhosas, as palavras sussurradas aos ouvidos e a todos os ouvidos voltaram a ser ditas, mas... para ela... não tinham mais importância!
E um dia ela conheceu Leandro, que sempre teve mãos leves e doces, e calmas e amorosas, seu olhar castanho escuro sempre foi um poço sem fim, ela quase não o conhecia, seus pés nunca saíram do chão. E assim foi por tempos e tempos seu declarado amor, mas ela nunca quis saber...
O tempo passou, ela o encontrava esporadicamente em eventos sociais / profissionais, e ele sempre com aquele olhar de artista, que olha e olha, que não perde um só segundo dela, olha todos os detalhes e movimentos, e ela vendo tudo, sorri e parte!
Um dia ele sumiu, Leandro sumiu, e ela sentiu no peito nunca ter se dado a chance de conhecê-lo. O reencontro foi triste, porque ela viu claramente o encanto como um encanto, mas já era tarde!
Ontem ela conheceu você... mas ela não te conhece, nem seu olhar castanho escuro profundo.
Que doce surpresa, o te conhecer sem te conhecer... e sem nada esperar!

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